Skrol

domingo, 24 de abril de 2011

Navalha na carne

Eram pouco mais de 21h30 quando o grupo de 16 foi conduzido para a "suíte master", do hotel Nicácio, um dos vários casarões do início do século passado que além de hotel de passagem, também serve para as secretárias noturnas que trabalham na região e a turma artística cool e descolada.

 O quarto pode ser descrito como um cenário, uma pintura, um fragmento perdido no tempo e espaço de uma sociedade imponente e hoje decadente, mas que no fundo, mesmo com os móveis mostrando a marca do tempo, ainda mantém um charme de outrora. Essa viagem entre passado é presente é contrastada com os barulhos da rua e o som alto dos bares da vizinhança.

“A peça não vai demorar a começar”, avisa um dos atores já caracterizado. Enquanto isso, um homem, somente de sunga contínua distraidamente passando suas roupas, para logo em seguida se atirar na cama e com uma revista em quadrinhos (Wolverine) enfiar a mão dentro da sunga e simular uma masturbação.

Inquietante, provocativo, desnecessário. Sem nenhum falso pudor ou moralismo, mas a cena fica deslocada dentro de todo o contexto.

Finalmente a peça começa! Os atores muitos bem entrosados encarnam os seus papéis e conseguem segurar os quase 60 minutos do texto de Plínio Marcos, escrito na década de 1930, mas que chegaria aos palcos somente em 1967.

O destaque dessa montagem é Norma Suely. Principal personagem do texto, mas que pela inexpressividade e fraca interpretação de Marta Paret fica em segundo plano o que favorece os atores que interpretam Veludinho e Wado, que conseguem explorar a ambígua sexualidade do Cafetão, isso poderia até explicar a cena da masturbação, passa pela tortura psicológica e finaliza com a cena que quase redime a atriz por toda a sua pífia atuação.

Essa nova montagem de “Navalha na Carne” tem os elementos necessários para ser um grande sucesso, mas os atores passam a maior parte da peça gritando, parece que esqueceram estar dentro de um quarto e não conseguiram modular a voz para o ambiente; o pequeno ar condicionado não conseguiu refrigerar ou refrescar a pequena platéia e as cadeiras fizeram grande parte do público ficar contando os minutos para o final do esquete.

O texto que gira principalmente na questão da idade de Norma Suely teria sido melhor aproveitado com uma atriz mais jovem demonstrando como a vida na rua pode acabar com uma mulher, os outros dois atores foram totalmente técnicos e não presentearam o público com uma grande atuação, que fizesse a platéia esquecer do senhorzinho uniformizado que chegou pouco antes da peça começar acompanhado de um travesti. No final a peça é morna, tem todos os elementos do texto, mostra que ainda é muito atual e faz voltar a pensar no estranho casal que foi surpreendido pela platéia, que esperava o início da peça.

Realmente. A peça conseguiu mostrar a realidade da nossa atual sociedade com o senhorzinho, porteiro de um daqueles hotéis, aproveitando o seu horário de lanche para se entregar aos prazeres da carne embalado ao som de Fábio Júnior e Wando que disputavam com os atores quem faria a melhor trilha para aqueles momentos de amor e luxúria.

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